O dia que eu encontrei meu eu futuro

Um conto muito legal divulgado pelo Mundo Gump.
É um pouquinho grande, porém vale muito a pena!

Carlos Alberto estava tomando um chopp num bar perto da Universidade quando notou um cara sentado numa mesa ao lado. O cara estava sozinho, olhando as bolhinhas que subiam numa tulipa cheia de chopp. A tulipa estava intocada e o estranho sujeito, impassível, apenas olhava, como quem não faz a menor idéia de onde está.
Carlos já estava no terceiro chopp enquanto esperava dois amigos para discutir um trabalho da faculdade.
Os amigos não vinham. Carlos pediu mais um.
Enquanto esperava o garçom trazer, ele continuou a observar o sujeito. O homem tinha cerca de trinta anos, estava bem vestido e não parecia nem um pouco incomodado em estar ali, apenas olhando fixamente para o chopp no copo.
Carlos Alberto começou a especular mentalmente o que aquele tipo de figura fazia ali, parado numa chopperia, namorando uma tulipa de chopp quente.
Teria brigado com a namorada? Teria sido demitido? Estaria esperando alguém?
O chopp de Carlos chegou e nada do Nelsinho nem do Berê. Carlos Alberto não conseguia parar de pensar no que poderia levar um sujeito a comprar uma tulipa de chopp apenas para olhar. Decidiu que estava na hora de enturmar o esquisito.
-Opa.
-Hã?-Levantou os olhos o homem do chopp.
-Desculpa incomodar. É que eu notei que teu chopp está esquentando cara. Está passando mal? Posso ajudar em alguma coisa?
-… – O sujeito não respondeu. Apenas ficou ali, olhando para Carlos Alberto com aqueles olhos penetrantes. Isso incomodou Carlos profundamente.
-Foi mal. Eu não quis…
-Não, não. Tudo bem. Desculpa. É estranho mesmo. -Riu meio sem graça. E continuou: – É que… Bem. Eu estou pensando na vida. Acabei esquecendo de beber o Chopp.
-Porra cara, talvez você queira se abrir com alguém. Bater um papo. Mas numa boa. -Disse Carlos Alberto, tentando falar de um modo que não parecesse uma cantada de viado.
-É… Acho que sim. O foda é que ninguém acredita em mim, porra. -Disse o maluco pegando um palito de dentes e quebrando no meio.
-Se incomoda de eu sentar aí? É que eu tô esperando uns amigos e os viadinhos vão me dar um bolo. Mas ninguém ligou para desmarcar, então eu tô aqui. Já tem mais de uma hora que eu tô esperando e nada. Nesse meio tempo a gente vai trocando uma idéia. -Disse Carlos Alberto já levantando.
-Tá certo. Senta aí.-Disse o estranho, puxando a cadeira.
-Valeu. Assim a gente ainda libera uma mesa para aquele pessoal ali.
-Pois é. Bela gata aquela ruiva. – Riu o estranho do chopp quente.
-A propósito, meu nome é Carlos Alberto Mioshi. Prazer
-Prazer. Ricardo Piza Pimentel. Então, Carlos Alberto. Faz o que da vida?
-Último período de relações Internacionais.
-Porra maneiro.
-E você, Ricardo?
-Eu sou supervisor de vendas de uma multinacional. A XS Corp. Conhece?
-Acho que já ouvi falar.
-Pois é.
-Mas diga, Ricardo. Você havia dito que ninguém acredita em você. Como assim?
-Ah, cara. Deixa quieto. Vamos beber.
-Pô, numa boa, cara. A gente acabou de se conhecer. Ainda somos meio estranhos. Pode falar, cara. Numa boa. Não tem nada que você vá dizer que possa me chocar. Já vi de tudo, hehehe.
-Bom… Carlos Alberto. O que eu estava pensando ali, é sobre as coisas que aconteceram comigo na última semana.
-Perdeu a mulher? – Arriscou Carlos Alberto.
-É mais ou menos por aí. -Respondeu Ricardo, tomando uma golada no chopp quente e fazendo uma careta horrível. – Porra esta merda tá um purgante.
-Zé? Zé! Trás mais um aqui pro cara. O dele esquentou!- Gritou Carlos Alberto para o garçom careca nos fundos.
- O que eu vou contar aqui, certamente causará espanto e descrédito. Eu estou acostumado. Nenhum dos meus amigos, nem aqueles amigos de infância com os quais a gente cresce e amadurece junto, acreditaram. Eu não espero que você acredite. Só peço que escute com atenção. – Disse Ricardo.
-Caralho… Fala maluco!- Exclamou Carlos Alberto, já morrendo de curiosidade.
-Deixa eu começar do princípio. Tudo começou quando eu fui transferido por uns dias para Buenos Aires, para preparar a fase de expansão de um novo setor da XS.
Durante a maior parte do tempo em que passei na capital argentina, eu apenas trabalhei feito um cão. Mas um dia, cansado e esgotado de tanto verificar dados, planilhas e preparar memorandos para a nossa sede na Holanda, eu resolvi descansar a cabeça. Saí para dar uma volta.
Era tarde. Andei meio sem destino pelas ruas da cidade. Havia anoitecido rapidamente naquele dia, e uma neblina fria tomou conta de tudo. Eu caminhei por umas ruas desertas té encontrar um lugar que me pareceu interessante. Lá dentro, num lugar chamado Conventillo, a música estava comendo solta. Eu já estava com fome e resolvi entrar para comer.
Entrei. O local estava cheio de turistas. Era um tipo de restaurante com palco. Tão logo encontrei uma mesa, a luz ambiente escureceu e o palco se iluminou. Os estridentes acordes de um violino soaram na sala. As pessoas fizeram silêncio e eu vi, pela primeira vez na minha vida, um show de tango.
Uma bela mulher morena, que no alto de saltos altos devia medir um metro de oitenta, entrou pela lateral da cochia. Ela estava enfiada num vestido ultra-justo, com uma obscena fenda lateral, que acentuava cada curva de seu corpo perfeito.Na frente do vestido havia um magnífico e ousado decote, pelo qual eu quase podia ver os seios, igualmente perfeitos. Nem muito grandes, nem muito pequenos.
O cabelo dela era preto, amarado com gel preso por trás com um tipo de… Sei lá o nome daquela porra que as mulheres usam para prender os cabelos. Mas tinham umas flores vermelhas. Quase tão vermelhas quanto o batom que coloria a boca dela. O batom formava um maravilhoso contraste com a brancura da pele daquela mulher, acentuada pela luz. Ela usava jóias brilhantes que reluziam à luz dos holofotes. Ela entrou sozinha, com passos lentos e cadenciados. Parou no centro do palco.
De onde eu estava sentado, podia ver que ela estava com os olhos fechados.
Seu rosto era perfeito. Sua respiração, ofegante.
Eu podia sentir o jorro de adrenalina que corria naquelas veias. Era como um puro sangue pronto para correr.
A musica tocava uma introdução, marcada a piano. E então, fez-se uma pausa. Outro facho de luz iluminou o canto do palco e eu vi entrar um homem. Era um homem de meia idade, não deu para ver o rosto.Me pareceu ter uns cinqüenta anos.
Ele usava um chapéu. Um terno bem cortado com colete. Aquele tipo de roupa era antiquada, mas que naquele ambiente, caía muito bem.
A musica voltou a tocar com força e a mulher abriu os olhos. Os dois se olharam. O homem avançou na direção da mulher que então lhe deu às costas. Ela andou para frente com a languidez de uma pantera. A musica deu uma nova parada e ela se remexeu, balançando o vestido preto e permitindo a todos entrever o par de maravilhosas pernas que aquela mulher possuía.
-Puta que pariu… Era gostosa mesmo?
-Gostosíssima.
-Como quem? Que tipo de mulher?
-Porra ela botava a Angelina Jolie no chinelo. Imagine só a mulher mais bonita que você já viu na sua vida. Então… É ela.
-Cacilda. Continua.
-A mulher fez aquele passo, exibindo as pernas. O homem não se fez de rogado. Ele avançou sobre ela. Agarrou a mão da moça e num giro de corpo, de modo cadenciado ele virou a moça de uma só vez.
Seus rostos quase se tocaram. Estavam a poucos centímetros um do outro. A musica continuava, e ao som dos violinos eles bailaram. O homem conduzia a mulher, em passos lentos, jogando suas pernas entre as pernas dela, avançando devagar. Ela esticava os passos para trás em cadência perfeita. Os dois giraram uma duas, três vezes e pararam subitamente. O homem inclinou a mulher para trás e ela se dobrou de um modo como eu nunca imaginei que fosse possível. As estonteantes pernas delas enganchadas nas pernas dele.
Voltaram a bailar. O homem a segurou por trás. Ela rodopiou para um lado, para o outro, jogou as pernas de um lado, de outro, para frente e para trás. Tudo muito rapidamente. De um modo altamente sensual.
Eles giravam e rodopiavam juntos, jogando as pernas de um modo incrível. Ora para um lado, ora para outro. Sincronia perfeita. Estava claro para mim e para todos naquele lugar que aquilo se tratava de um casal real. Não meros parceiros de dança. O sexo e o desejo exalavam em cada passo. Em cada movimento.
Quando a música finalmente parou, os dois estavam se beijando de modo dramático. A platéia foi ao delírio. As pessoas aplaudiram ferozmente. Os dois tomaram usas posições e agradeceram com um gesto lento.
A luz clareou um pouco mais e então eu vi.
-Viu o que?-Perguntou Carlos Alberto.
-Vi que aquele homem. O homem que dançou tango com aquela mulher maravilhosa…
…Aquele homem era eu.
-Hã? – Quase engasgou Carlos Alberto. – Como assim porra?
-Era eu. Não sei explicar. Nem tão-pouco espero que você entenda. Mas era eu. Eu estava mais velho. Eu tinha ali uns cinqüenta anos. Talvez menos, talvez mais, mas parecia isso. Por aí uns cinqüenta anos.
-Caralho. Agora entendo porque nenhum dos seus amigos acreditou em você…
-E então, eu olhei pra mim.
-Olhou?
-Olhei. Olhei pra mim, lá de cima do palco e sorri. Eu disse alguma coisa pra mim mesmo, mas não consegui entender naquele momento, pois as pessoas aplaudiam vigorosamente e abafaram o ruído.
Foi quando eu senti um movimento vindo de trás de mim. Olhei para trás e uma mulher gritou. Eu custei a entender o que se passava. Só sei que havia um homem, segurando um revólver preto. O homem gritou assim:
“Ricardo, desgraciado!”
E então disparou dois tiros. Foi uma confusão. Eu pulei no chão também. Escondi-me sob a mesa. As pessoas gritavam e houve uma correria. O homem msaiu correndo por entre as mesas do salão. Copos e pratos caíam em profusão. Quando tomei coragem para me erguer, eu vi que o homem que jazia morto naquele palco era mesmo eu.
-Mas… Mas… Tipo… – Carlos Alberto Balbuciava sem entender.
-A mulher morena estava debruçada sobre ele. Segurava seu corpo ensangüentado e chorava. Ela chorava aquele choro de quem perde o sentido de viver. O homem, eu estava morto. A cabeça pendia para trás, enquanto a mulher abraçava e sacudia me pedindo, que dizer, pedindo a ele, para que falasse com ela.
Foi uma das cenas mais tristes que eu vi na minha vida. Literalmente.
Eu não sei explicar como aquilo se deu. Seria alguém parecido comigo? Um sósia?
Eu pensei um monte de coisas. As luzes enfim se acenderam. As pessoas corriam para fora do restaurante e a polícia chegava. Eu corri até a beira do palco. Não falei com ninguém. Apenas me aproximei o suficiente para ver que incontestavelmente, sem nenhuma sombra de dúvida, acredite você ou não, aquele homem morto aos pés da mulher, era eu.
Fiquei perturbado com aquela cena. Saí correndo também do ambiente. Quando dobrei a esquina, vi passar os carros da polícia com as sirenes ligadas.
Corri sem destino por umas vielas, passei em uns becos escuros e cheguei a uma praça. Tudo estava deserto e já era tarde. Ouvi o relógio da igreja bater a meia noite.
Sentei-me num banco da praça e contemplei o céu cheio de nuvens. A luz da lua que aparecia por umas brechas era coberta com o halo azul causado pela neblina. Aquilo tudo não fazia o menor sentido.
Tentei organizar os meus pensamentos. Se realmente eu tivesse visto o meu eu futuro, se aquele dia foi o dia em que eu encontrei o meu eu futuro, eu encontrei a mim mesmo. E se eu me encontrei, e eu morri naquela situação, era para o eu do futuro saber que em algum ponto do passado dele, ele teria se visto morrer, o que implica em conhecer a sua, digo, a minha própria morte. E se eu conhecia a minha própria morte, como e por que estranha razão eu iria me apresentar num show de tango, que eu não sei dançar, para morrer?
-Cara dá pra repetir? Eu acho que estou doidão. – Disse Carlos Alberto.
Encarei os fatos. Eu vou morrer daquele jeito. Com um tiro, num palco de casa noturna de Buenos Aires.
- Calma lá. Vamos dizer que você está certo e que isso, por mais estranho que pareça é real. Se você se viu morrer, sabe disso, logo, pode evitar. Ou melhor, você pode evitar tudo isso e encontrar você mesmo jovem! Preciso de outro Chopp… Zé, o copo furou, porra!
-Mais um pora mim também, seu Zé!
Então, é mais ou menos isso que eu penso. Mas então eu reflito sobre a situação: Se eu sabia que podia impedir, por que escroto motivo eu não o fiz? E por que eu não me encontrei antes?
-Nossa. É mesmo!
-Se eu não impedi, se eu não me encontrei antes é porque eu estava ciente de que isso ia acontecer, de que eu estaria lá. Aliás, eu sabia que eu jovem estava lá, porque eu falei comigo. Só não sei o que…
-Então… Vendo por este ângulo, isso poderia ser um suicídio.
-Ou não. E se realmente o seu eu futuro viajou no tempo aqui para o passado e tentando se comunicar com você ele foi morto? Não dá pra saber ao certo se você foi para o futuro ou se o seu eu veio para o passado.
-Deveras, meu caro Carlos Alberto.
-Mas fala. Isso é mentira né? É só uma ficção, certo?
-Não cara. Eu disse. Ninguém acredita em mim.
-Mas você há de convir que é foda, porra. Olha a história cabulosa que você conta!
-Eu sei. Eu sei. Veja por outro lado. Se eu quisesse enganar alguem eu inventaria algo tão inverossímil?
-Bem… Faz sentido. A menos…
-A menos o que?
-A menos que você saiba que todo mundo pensaria isso e assim inventaria uma coisa sem sentido para dizer que a história é verdade pelo fato de que seria improdutivo contar uma coisa sem sentido como sendo verdade.
-É como eu disse. Ninguém acredita. Nem eu.
Por conta disso, Carlos Alberto, eu passei meses estudando e tentando entender o que realmente aconteceu.
-Estudando? E você chegou a qual conclusão? Que pirou? – Disse Carlos rindo.
-Eu comecei a perceber que ao longo do tempo, milhares de pessoas desaparecem sem deixar vestígios. Que muitos navios e aviões sumiram e nunca mais apareceram depois de entrarem em nuvens e neblinas.
Os casos mais comuns aconteceram no famosos triângulo das Bermudas. Saca?
-Tô ligado. Tô ligado. Continua….Calmaí. Zé? Traz uma porção de salaminho aqui pra nós? Valeu. Pronto. Vai, fala.
- Eu comecei a pesquisar e fui por aí. Pelos casos de desaparecimento. Eu não sei. É só uma hipótese… Acho que o espaço-tempo amarrotou.
-Amarrotou? Tipo pano?
-É. Tipo pano. Imagina o seguinte: Imagina que o pano aqui da toalha da mesa é o espaço-tempo. – Ricardo começa a dobrar o tecido da mesa.
-Aham. Tô ligado.
-se por alguma razão, que ninguém sabe ainda, esse pano amarrotar. Este palito aqui que estava num confortável quadradinho passa para outro quadradinho. Se ele passar do quadradinho branco para o quadradinho vermelho, o palito que continuou no quadradinho branco vai pensar o que?
-Que o palito sumiu.
-Isso. Agora imagina que o palito branco sai do quadradinho branco, que é o universo conhecido pelo palito do quadradinho branco e ele pula para o mesmo quadradinho branco, só que em outro ponto da mesa.
-Sei lá. Agora você fodeu com minha cabeça.
-O que vai acontecer é que para o palito, tá tudo igual, porém… Não está. Ele está em outro ponto, outro ponto do tempo, porque o espaço é parte do quadrado. Sacou?
-Então calma aí. Você quer dizer que quadra quadradinho aqui é um universo. É isso?
-É cara. Isso mesmo. E cada universo coexiste em harmonia com os demais, mas quem está num quadradinho não sabe do outro.
-E quantos deles existem?
-Não sei. Infinitos talvez.
-Mas isso quer dizer que… Se o palito estava num quadradinho, todos os quadradinhos podem ter palitos.
-Sim, e em diferentes estágios do desenvolvimento do palito. Tudo ficaria normal se… Sei lá quem não tivesse amarrotado o pano aqui na mesa. É isso que eu acho que aconteceu comigo.E digo mais… Eu penso que com infinitas variações de realidade, o que nós pensamos ser o “aqui e agora” é na verdade nossa consciência percorrendo infinitos quadradinhos, em uma resolução de tempo igualmente infinita.
-Porra, agora eu boiei.
-Pensa no seguinte, Carlos Alberto. Imagina se em cada quadradinho desses, que são uma porrada com pê maiúsculo, infinitos mesmo, existem infinitas variações de possibilidades para este palito. Num ele tá inteiro, no outro ele ta quebrado, no outro ele está torcido… Mas como existem mais chances dele estar inteiro, a consciência do palito percorre apenas uma série de realidades ou quadradinhos paralelos que faz com que o palito acredite que tudo está em perfeita ordem. O palito está em permanente ilusão de que só o quadradinho que ele conhece – E que ele pensa que é único – existe e nada mais. Só que sem ele saber, bilhões, trilhões de quadradinhos por segundo estão passando e sendo atravessados pela consciência dele.
Sacou? Nós somos como palitos. Eu estou falando com você aqui. Em outra realidade paralela eu posso estar em casa, eu posso estar dormindo, eu posso estar viajando eu posso nem existir. Se essas realidades se misturam de algum modo, eu posso pensar que fiquei maluco. Ou mesmo que viajei no tempo.
-Você falou da neblina. Seria isso? Seria alguma reação adversa ao amarrotar do pano da mesa? Quer dizer, o amarotar do… Que nome dou pra essa porra?
-Sei lá. Tem gente que poderia chamar de “Deus”. De “Tudo”. De “sagrado”… Chame do que preferir.
-Caceta. Esse foi o chopp mais bizarro que eu já tomei. Agora me diz uma coisa, você não voltou lá para ver o desfecho?
-Não. Eu tive medo. Eu não sabia o que fazer. Nem como lidar com aquilo. Eu apenas voltei para casa, tomei uns comprimidos e apaguei. Desde então, tenho vivido como um zumbi, pensando nisso o dia todo. Eu só durmo à base de calmantes.
-Cara isso faz mal.
-Eu sei. Eu resolvi que iria tentar mudar isso. Estava pensando nisso quando você falou comigo…
Surgem na porta do bar dois caras. Carlos Alberto levanta o braço pra eles.
-Olha lá. Olha a hora que os viadinhos aparecem.
-Bom, eu não vou tomar mais o seu tempo. Foi um grande prazer falar com você. Vou deixar a grana aqui, ok? – Disse ele estendendo uma nota de cinqüenta.
-Opa. Não precisa… Deixa que eu pago.
-Não, não. Eu faço questão. Obrigado por me ouvir. Um grande abraço.
Os dois homens se cumprimentam e Ricardo sai.
Chegam Nelsinho e Berê.
-Porra foi mal pelo atraso aí. O pneu do carro do Berê furou, cara. E não tinha estepe, Tiramos naquele dia da festa da Jana, pra colocar e engradado e esquecemos lá no corredor. -Diz Nelsinho.
-Culpa do Nelsinho… É culpa do Nelsinho! – Diz Berê olhando o cardápio.
-Caras, vocês perderam. O meu papo com aquele cara lá… Puta que pariu…
-Puta que pariu? Como assim?
-Porra cara. Um mentiroso mais cascateiro do universo. Tinha que ver a figura. Sem noção. O cara contou a maior cascata da história. Não dá pra barrar. Supremo, foi o caô supremo.
-Conta aí pra gente, pô.
-Ah, cara. Nem sei contar. O maluco é muito cascateiro. O maior Forrest Gump do mundo. Nem aquele maluco lá daquele blog do amigo do Berê inventa uma porra dessa.
-Mas fala mais ou menos, ué.
-Meu, acredita que que ele falou que ele viu a própria morte? Tipo o cara viu o eu futuro dele… Morrendo.
-Ai! Essa doeu.
-Hahahaha. Não fode.
-Isso mesmo. E o pior é que ele explica a parada até ela fazer sentido. Sei lá. O cara é doido.
-Pô cara, onde você descobre essas figuras?
-Sei lá. Ele tava aqui, olhando para o chopp e não tomava o chopp… Um cara estranho. Daí vocês não vinham, eu tava de bobeira e começamos a papear.
Os três amigos ficam rindo na chopperia. Do lado de fora, na rua, Ricardo caminha com passos lentos. Vai andando e pensando na conversa, em tudo que aconteceu até ali. Naquele desconhecido que acreditou em sua história. Será?
Ricardo anda até a esquina quando um papel é estendido pra ele.
Ricardo levanta os olhos e ali, na frente dele está a mulher morena. Ela está vinte anos mais jovem. Tem cerca de dezesseis anos. É alta, magra, esguia. Linda. Seus olhos se cruzam em um flash. Ricardo olha para o papel:
“Curso de Tango Argentino”, ” O legítimo”.
FIM

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